- E quem é dona Maria?
- Doméstica, não tem carteira assinada, não tem como comprovar renda.
- E o que ela tem?
- Carteira de identidade e R$ 30,00 sobrando no final do mês”.
Esta é uma reprodução do diálogo em que, de forma bastante aproximada, se explica o raciocínio que baseia o atendimento das Casas Bahia, considerada entre as empresas de maior inovação nas últimas décadas, inclusive em âmbito internacional. Na sequência desta percepção, as Casas Bahia coloca uma propaganda na televisão, no intervalo entre Jornal Nacional e a novela das 8h, quando ela, a dona Maria, está servindo o jantar dos patrões e anuncia o fogão Brastemp, 6 bocas, último modelo (igual ao da patroa) em 500 prestações de R$ 25/mês.
Dona Maria se encanta com a ideia de que pode adquirir este bem acima de suas posses, dentro de sua condição financeira e no primeiro dia de folga vai às Casas Bahia. Chegando lá fica na porta, transitando na calçada, pois é uma não-cidadã, uma pessoa que nunca teve conta no banco ou acesso a crediário. No manual de funcionários das Casas Bahia, no entanto, tem o tópico que explica ao vendedor que ao ver Dona Maria por ali, vá até ela, traga para dentro da loja, faça-a sentar e comece um diálogo com ela.
Com este exemplo-mor, o conferencista Clemente Nóbrega palestrou sobre “Inovação é dinheiro novo no seu negócio”, aqui hoje, pela manhã, 14, na 52ª Convenção Nacional do Comércio Lojista, em Fortaleza (CE). Articulista da Época Negócios, Nóbrega apontou que nem sempre “Inovação” é novidade. “Pode ser aquilo que o concorrente já está fazendo há muito tempo, mas que feito por você de forma diferente, signifique dinheiro no caixa de sua empresa”.
O palestrante informa que “inovar” é sempre o mesmo que fazer algo que resulte em dinheiro dentro da usual continha da diferença entre custo do produto/serviço e o quanto o cliente paga a mais (lucro). E, novamente, dentro de um padrão já muito conhecido por todos os lojistas, quanto mais inovador, mais determinado item tende a ser rentável.
Ou seja, para ganhar dinheiro é preciso gerar algo de valor e explicitar um diferencial para concorrer no mercado. “Onde está a novidade?”, pergunta ele, que também responde: como hoje, praticamente, todos os produtos e serviços são parecidos e os preços se equivalem ou concorrem acirradamente, “precisamos vender experiência aos clientes”, diz ele.
Como acontece na prática, esta possibilidade? Um exemplo está na tradição. Era usual a mãe ou avó das famílias brasileiras fazerem o bolo das festinhas de aniversário dos filhos/netos. Era um ritual mágico para as crianças. Depois, com o crescimento da prestação de serviço no País e incremento da renda, levando as famílias a terceirizarem o preparo de suas refeições ou realização de eventos familiares, esta realidade mudou e se tornou padrão. Dentro do conceito de Clemente, este diferencial, num cenário de várias empresas que produzem bolo e prestam serviços para programação de festas, está na responsabilização por tornar esta uma experiência única para o cliente. “Ninguém compra mais o bolo, portanto, bolo não dá dinheiro. As pessoas compram experiências, a melhor experiência”, diz ele, concluindo que a empresa “que desenvolver a metodologia para ampliar e fazer da experiência do cliente um sucesso, é a que terá o dinheiro do cliente”.
A questão central – “O que é de valor para meu cliente?”. Segundo Nóbrega as respostas a esta pergunta é que norteiam as ações e métodos, e determina como se desenvolverá os processos. Por isso a historinha, real, das Casas Bahia, e também seu sucesso junto aos consumidores. “Nós não vendemos fogão, nós realizamos o sonho da Dona Maria”, explicita a estratégia da citada empresa.
A percepção do quanto Dona Maria tem de dinheiro para investir é muito importante neste contexto. O lançamento de prestações de R$30,00 nasceu da observação de que a maioria da população de baixa renda no Brasil tinha uma média x de ganho/mês, naquela época não mais corroído pela inflação, adentrando o Plano Real. "Mas, não existe classe C e D para as Casas Bahia, existe dona Maria e ela tem um sonho" que você pode realizar, é outro apontamento do consultor aos lojistas.
Clemente Nóbrega é consultor e escritor. Com MBA Executivo pela Coppead/UFRJ, cursou o Strategic Marketing Management na Harvard Business School EUA e, em 1999, conquistou o Prêmio Abril de Jornalismo. (Assessoria de Imprensa CDL Cuiabá: Honéia Vaz/ A foto que ilustra esta matéria é de um produto da marca Donna Maria, em sua belíssima coleção de chinelos modelo havaianas com poemas de famosos brasileiros, como Drummond e Quintana. Trata-se de um produto com diferencial).